segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

As Mulheres Muçulmanas, uma questão de interpretação ou violação do direito fundamental à igualdade?


As Mulheres Muçulmanas, uma questão de interpretação ou violação do direito fundamental à igualdade?



O presente post busca tecer alguns aspectos contrastantes entre o tratamento da mulher no casamento muçulmano, com base na Sharia (que consiste em um sincronismo do Corão e da Suna) em relação ao casamento Ocidental.

Objetiva-se a exposição das diferenças culturais e legais de divórcio, poligamia, tratamento na sociedade, pontuando-se as diferenças e induzindo a uma questionamento acerca da existência de uma violação aos direitos humanos, ou se trata apenas de uma questão cultural, que não necessitaria da mobilização dos direitos humanos internacionais.

Um pouco sobre o direito a igualdade.

O dever de igualdade exige que todas as normas seja aplicada a todos os casos que seja abrangido por seu suporte fático, e a nenhum caso que não o seja, o que nada mais significa que dizer que as normas jurídicas devem ser cumpridas.

O que se exige do dever de igualdade na aplicação da lei, é que, aquilo que já é de qualquer forma aplicável sendo estas normas jurídicas válidas[1].

Quando se fala da estrutura do dever de igualdade na criação do direito, ele exige que todos sejam tratados de forma igual pelo legislador, ou seja:  o legislador não pode inserir todos nas mesmas posições jurídicas, e nem que todos tenham as mesmas características naturais e que se encontrem nas mesmas condições fáticas[2].

Desse modo, ao se falar em enunciado geral da igualdade, dirigido ao legislador, não se pode exigir que todos sejam tratados exatamente da mesma forma ou que sejam igual em todos os aspectos, de modo que, deve-se questionar acerca da possibilidade de se encontrar um meio termo entre esses dois extremos, sendo um ponto de partida, uma formula clássica: “o igual deve ser tratado igualmente, o desigual desigualmente” [3].

Leis Internacionais de Direitos Humanos

Quando se fala em direito a igualdade no âmbito dos Direitos Humanos, a  Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) logo em seu artigo 1º trata da matéria, enunciando:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade”.

E, em seguida continua em seu artigo 7º:

“Todos são igual perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.

Tão relevante, ainda, o conteúdo do artigo 10º: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida seus direitos e obrigações ou das razoes de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”.


Igualdade no Islamismo


As informações a seguir foram extraídas do seguinte artigo: “Women’s Human Rights in the Koran: An Interpretive Approach” de Niaz A. Shah – o qual tomei contato quando da minha pós graduação em Direitos Humanos na Universidade de Coimbra (Ius Gentium Conimbrigae), e que pode ser lido pelo seguinte endereço[4]: <http://muse.jhu.edu/journals/hrq/summary/v028/28.4shah.html>



Para contextualizar, convém relembrar que os Direitos Humanos das mulheres constituem uma categoria separada e relativamente recente nas questões globais de direitos humanos.

A religião é pioneira em informar a maneira a qual as mulheres são tratadas ao longo do mundo, social e legalmente.

Neste cenário, as duas maiores mudanças em direitos humanos e principalmente das mulheres vieram no século XXI: extremismo religioso em contraposição à globalização econômica.

Tendo isto como base, o fundamentalismo pode ser tomado como o maior problema para a igualdade das mulheres, pois essas leis que regem o fundamentalismo estão fora do contexto de interpretação global, e baseiam-se no Corão e na Sharia, o que consiste em uma grande barreira para o ingresso dos Direitos Humanos Internacional, em uma visão global e ocidentalizada.

Na defesa da soberania da cultura Muçulmana, em seu contexto fechado, a religião islâmica tende a dizer que o Corão, protegem os direitos humanos, de acordo com o espirito de suas leis e religião.
Todavia, ela baseia-se nas raízes do status da mulher no século XVII, na sociedade árabe, e não no contexto visto nos dias de hoje, de forma que eles interpretam e avaliam a validade da interpretação, devendo, para que se possa compreender, ter a visão diferente e islâmica do sistema de direitos humanos.


Secularismo

Algumas escolas seculares muçulmanas defendem que a aplicação das leis dos direitos humanos internacionais, presumindo que o islamismo não representa um obstáculo, e que ambas podem coexistir. Todavia há algumas desvantagens e incompatibilidades:

1.    Um breve olhar às leis islâmicas demonstram discrepâncias obvias entre o islamismo e os parâmetros de  direitos humanos internacionais, de forma que a  coexistência de dois sistemas contraditórios não funcionam. A desigualdade de tratamento das minorias e a discriminação das leis sobre status pessoal apresentam dois aspectos: discrepâncias entre o islamismo e as leis de direitos humanos.
2.    Sendo assim, esses aspectos não alcançam uma proteção com igualdade que é almejada em direitos humanos nos Estados Muçulmanos por três simples razões:
a.    islã declara a religião oficial dos Estados Muçulmanos, sendo que nenhuma lei é compatível, sendo nulas todas aquelas de caráter internacional;
b.   são conservadores na linha de interpretação do Alcorão, fazendo o uso de polícia oficial para tanto, o que consiste em uma forte reprimenda;
c.    o aspecto secular é falho, pois a maioria da população muçulmana quer viver por seus padrões religiosos, um direito reconhecido internacionalmente nas leis dos direitos humanos, o que acaba por gerar conflitos, devido ao fato da não aceitação do ingresso do sistema internacional.[5]



Acerca da não compatibilidade


Dessa forma, torna-se claro o aspecto não compatível pelas seguintes razoes: o Governo Muçulmano e o conservadorismo do ensino Muçulmano que tende a argumentar que o Islã tem seu próprio sistema de distinção de direitos e deveres. A maioria das incompatibilidades são vistas como ferramentas de hegemonia do Oeste. Eles defendem e elogiam  o Sistema Islâmico pela sua antiguidade e eternidade, e rejeitam o sistema internacional de direitos humanos, que é tido como uma forma de imperialismo ocidental, avassalador para a cultura secular Islâmica.

Esses estudiosos se esforçam para fazer o sistema de direitos islâmico olhar diferentemente e defender o sistema contra a arrogância intelectual ocidental e do imperialismo cultural.

Ha três pontos distintos a serem analisados a respeito na não compatibilidade:

1.    no islã, a origem dos direitos e deveres é divino, e não uma produção humana;

2.   os direitos humanos no islã tem base teocêntrica, tudo vem de Deus, e o homem apenas serve, em oposição aos valores dos direitos humanos internacionais, no qual o antropocentrismo é a base, o homem é o centro de tudo;

3.    Direitos humanos no islã é garantido por Deus, que é eterno e permanente, em contraste com o direitos humanos internacionais, que baseiam-se em leis internacionais de direitos humanos, que são dinâmicas e feitas pelos seres humanos.


Inferioridade das Mulheres?

O que levou à crença entre alguns muçulmanos que as mulheres são fisicamente e intelectualmente inferiores aos homens?

Essa crença tem apoiado a má aplicação de vários versos corânicos com as leis islâmicas sobre a poligamia, divórcio, herança e um direito da mulher a dar testemunho.


Sobre as diferentes interpretações de Qawwamun, em relação aos Direitos da Mulheres:
Há uma crença entre alguns muçulmanos que as mulheres são inferiores intelectualmente e fisicamente, em comparação com os homens, essa crença é o resultado do contexto e da interpretação patriarcal de Sura 4:32, que diz:

“[4:32] você não desejará as qualidades dadas em um ao outro por DEUS; os homens desfrutam certas qualidades e as mulheres desfrutam certas qualidades. Você pode implorar DEUS para o despejar com a graça dele. DEUS está completamente atento de todas as coisas.”

Este verso como um todo é sujeito a diferentes interpretações, mas os acadêmicos conservadores ao traduzir qawwamun (guardião) como governante ou um responsável, enquanto estudiosos reformistas entender qawwamun no sentido de protetor e mantenedor.


E neste contexto os atos não são vistos como de tirania, mas da de orientação para um comportamento justo, educação, eficiência interna e responsabilidade fiscal para as suas orientações orçamentais.

Sendo assim, são funções biológicas e sociais que definem o papel da mulher na sociedade:

“[4:34] "Maridos são guardiães (qawwamun) das esposas porque Deus favoreceu alguns mais do que outros e porque (isto é, os maridos geralmente) dispendem de seus bens." (4:34)



Poligamia


Muitos códigos legais islâmicos permitem que um homem se case com até quatro esposas simultaneamente.

A passagem do Alcorão que fala sobre está forma de casamento:

[4:3] "Se temerdes ser injustos no trato com os órfãos, podereis desposar duas, três ou quatro das que vos aprouver, entre as mulheres. Mas, se temerdes não poder ser equitativos para com elas, casai, então, com uma só,…"


O versículo demonstra que o assunto do verso está fazendo justiça aos órfãos, não a poligamia por si, e  esta é a única passagem sobre o tema.

Deste modo a poligamia é permitida apenas, e não obrigatória condicionalmente, a fim de fazer justiça aos órfãos de guerra. Sendo essas as condições:

(1) se houver receio de que os órfãos não serão tratados com justiça, então casar-se com até quatro mulheres é permitido, e

(2) essa permissão ainda depende de "só lidar" entre as esposas. Se há medo se faça injustiça entre elas, então um homem deve ter apenas uma esposa.


Abdullah Yusuf Ali[6] fala acerca da base histórica para a poligamia permitindo o Alcorão, para que se evite a injustiça aos órfãos, viúvas e prisioneiros de guerra, de forma que: Na batalha de Uhud, muitos homens morreram e a comunidade muçulmana ficou com muitos órfãos, viúvas e cativos de guerra.

Assim, o Alcorão permiti, com a certeza de perfeitamente ser justo, proteger seus direitos de propriedade, como meio a garantir o bem estar dos órfãos. A partir deste ponto de vista, parece que o Alcorão destina-se a proteger os direitos das mulheres, por duas razões:

Primeiro, devido ao fato de as mulheres terem superado em quantidade os homens depois da batalha de Uhud;

Não se pode esquecer que o Alcorão foi revelado em uma sociedade patriarcal, em que órfãos e mulheres cativas eram, geralmente, explorados, e nesse contexto o Alcorão permitiu a poligamia, para que cada mulher pudesse desfrutar de seu direito ao casamento.

Em segundo lugar, consiste em uma restrição indireta: quatro, ao número ilimitado de esposas, que se mostrava uma pratica muito comum na sociedade.

Então o objetivo do Alcorão era impedir a injustiça, impedindo aos homens o controle sobre as mulheres, ou para permitindo que usassem as mulheres para a gratificação de luxúria.


Leis ocidentais e leis dos direitos humanos internacionais: direito a igualdade e respeito à dignidade humana.


Acerca dos direitos das Mulheres, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, em seu artigo 16, enunciam o que segue:


Artigo 16.º
1 - Os Estados Partes tomam todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação contra as mulheres em todas as questões relativas ao casamento e às relações familiares e, em particular, asseguram, com base na igualdade dos homens e das mulheres:
a) O mesmo direito de contrair casamento;
b) O mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de só contrair casamento de livre e plena vontade;
c) Os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades na constância do casamento e aquando da sua dissolução;
d) Os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades enquanto pais, seja qual for o estado civil, para as questões relativas aos seus filhos; em todos os casos, o interesse das crianças será a consideração primordial;
e) Os mesmos direitos de decidir livremente e com todo o conhecimento de causa do número e do espaçamento dos nascimentos e de ter acesso à informação, à educação e aos meios necessários para permitir o exercício destes direitos;
f) Os mesmos direitos e responsabilidades em matéria de tutela, curatela, guarda e adopção das crianças, ou instituições similares, quando estes institutos existam na legislação nacional; em todos os casos, o interesse das crianças será a consideração primordial;
g) Os mesmos direitos pessoais ao marido e à mulher, incluindo o que respeita à escolha do nome de família, de uma profissão e de uma ocupação;
h) Os mesmos direitos a cada um dos cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a titulo gratuito como a título oneroso.
2 - A promessa de casamento e o casamento de crianças não terão efeitos jurídicos e todas as medidas necessárias, incluindo disposições legislativas, serão tomadas com o fim de fixar uma idade mínima para o casamento e de tornar obrigatório o registo do casamento num registo oficial.


Nota-se, em uma breve leitura, que os parâmetros internacionais de igualdade e proteção, são por óbvio, não aceitos/ não compatíveis na sociedade islâmica, o que passa a ser uma grande barreira aos Direitos Humanos Internacionais.




Direito ao divórcio: Islã versus  outras leis



As brigas conjugais devem restringir-se ao ambiente privado, sempre que possível, e entre as partes. Mas caso não se solucione, admite-se que seja solicitada uma mediação familiar.

A última saída para estes conflitos é o divórcio, ou seja, é permitida mas não encorajada.

O máximo permitido, em casos extremos, é uma batidinha leve, que sequer deixa marca no corpo e pode salvar o casamento do colapso, o que nada mais é do que  permitir ou desculpar a violência familiar com o intuito de salvar o casamento.

Para a dissolução do casamento, admitem-se as seguintes[8]:
-       concordância mútua, iniciativa do marido, iniciativa da esposa (se for parte de seu contrato matrimonial, a decisão da Corte sobre a iniciativa da esposa (por uma causa)
-       a iniciativa da esposa sem uma "causa" fornecida, onde ela pode devolver os presentes de casamento ao seu marido ).


Sobre o tema:
< http://www.islamicperspectives.com/Considerado.htm> Acesso em 07 de dez. de 2012.

“Um homem pode dissolver a união depois de um procedimento prescrito, sendo que os detalhes não nos concernem aqui.  Uma mulher pode dissolver a união pedindo ao marido para divorciá-la e se ele recusar, ela  pode recorrer à corte que deve arranjar os termos de dissolução com relação à  compensação e requisitar ao marido a dissolução do casamento. (4) Para evitar este procedimento a mulher pode incluir no contrato de casamento a condição de que ela pode dissolver a união sem ter que recorrer à corte.

A parte que inicia o divórcio pode ter que pagar alguma compensação à outra parte. Esta compensação pode ser o retorno do presente de casamento no caso da  mulher iniciar o divórcio(5) e pagamento de pensão no caso do homem tomar a iniciativa.(6)”






A Visão Direitos Humanos Internacionais.


Em sua tese “The Case of Muslim Polygamy within Western European Legal Systems: Comparative Approach between France and England”, brilhantemente a Dra. Ana Filipa Neves, às paginas 10, chegou às seguintes conclusões e respeitáveis conclusões:

O Comitê para a Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW Committee), quando de sua Recomendação Geral n. 21 abordou a questão da poligamia de forma direta, bem como expressamente condenou a sua prática.

Acerca do artigo 16 da CEDAW, o Comitê afirma que "o casamento poligâmico contraria uma mulher" ao direito à igualdade com os homens, e podem ter graves consequências tanto em seu aspecto emocional como financeiro.

Enuncia que o Comitê atenta-se ao fato de que em casamentos polígamos muitas vezes têm, essas mulheres, de viver sob condições adversas, quais sejam: a divisão da casa entre si, dos meios de apoio e, do marido, de modo que, coabitar com as demais esposas é desafiador.

Há, portanto, uma colisão direta com o principio da igualdade, o que acaba impactando na vida dos filhos também, pela inexistência do direito de igualdade entre os cônjuges, tendo correlação direta com a situação precária, em todos os aspectos já acima enunciados.

Dessa forma, ainda extraindo da brilhante tese: há um acompanhamento da questão da Poligamia pelo Comitê quando se discute com os Estados partes, o seguinte enunciado do artigo 16 do CEDAW: “Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e, em especial, assegurar, com base na igualdade dos homens e das mulheres: a) O mesmo direito de contrair matrimônio; b) O mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento; c) Os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e sua dissolução. (...)”

Todavia, as dificuldades mostram-se maiores quando os Estados mostram grande falta de vontade de alterar as suas leis.[9]

Acredito que é interessante que tomemos conhecimento dessas barreiras, que muitas vezes não consistem em aspectos meramente culturais, mas em violações aos direitos humanos, com mais ênfase, no a igualdade de gênero, e por obvio à dignidade da pessoa. É também missão dos Direitos Humanos respeitar as diferenças culturais, todavia, sem que isso consista, por outro lado, em lesão aos direitos fundamentais.


[1] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais (Trad. Virgílio Afonso da Silva). Editora Malheiros: São Paulo, 2008. P. 394.
[2] Idem. P. 396.
[3] Idem. (notas da p. 397: Cf. Platão, As Leis, VI 757; Aristóteles, Política, III 5 (1280a): “Considera-se, por exemplo, que justiça é igualdade, e de fato o é, mas como igualdade para os iguais, não para todos. E considera-se também a desigualdade pode ser justa, e de fato o pode, e não para todos, somente para os desiguais entre si”; do mesmo autor, Ética a Nicômano, V 6 (1.131a).
[4] SHAZ, A. Niaz. Women’s Human Rights in the Koran: An Interpretive Approach. HUMAN RIGHTS QUARTERLY. Volume 28, Number 4, November 2006. (p. 869-898). Disponível em <http://muse.jhu.edu/journals/hrq/summary/v028/28.4shah.html>. Acesso em 07/12/12.
[5] Idem. P. 870.
[6] Idem. P. 890.
[7] BADAWI, Jamal A. Equilade de Sexos no Islam. Disponível em http://www.sbmrj.org.br/Atualidades-equisex.htm. Acesso em 08/12/12.
[8] SHAFAAT, Ahmad. O Casamento de Um Ponto-de-Vista Legal. Disponível em http://www.islamicperspectives.com/Considerado.htm. Acesso em 07.12.12.
[9] NEVES, Ana Filipa.The Case of Muslim Polygamy within Western European Legal Systems: Comparative Approach between France and England. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Direito Das Mulheres: “Frágeis Fortes Mulheres”


Direito Das Mulheres: “Frágeis Fortes Mulheres”

Este post será dedicado aos direitos das mulheres, tema de máxima importância e conveniência  a ser tratado e disseminado, com o intuito de que as pessoas tomem conhecimento de suas particularidades.
Assunto que é alvo de repercussão internacional, bem como na órbita interna, e recentemente ocupou as pautas do nosso Supremo Tribunal Federal com o histórico e importantíssimo julgamento acerca da constitucionalidade da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
 

Introdução ao Tema das Mulheres
Os conceitos introdutórios consistem em notas extraídas dos slides  da 13ª Pós Graduação em Direitos Humanos que cursei em 2011 no Instituto Ius Gentium Conimbrigae, na Universidade de Coimbra, Portugal, na brilhante aula ministrada pela Professora Teresa Anjinho, da Universidade Nova de Lisboa.

Importante ressaltar que os princípios da igualdade e da não discriminação são fundamentais, e estão intrínsecos ao conceito de direitos humanos.
As discriminações podem estar relacionadas a características imaginárias (preconceitos, estereótipos e falsas representações) ou reais.

Sendo assim, toda luta  feminista passa pelo questionamento da imagem da mulher, que foi construída por uma cultura machista e patriarcal, que se associa a uma ideia de determinação biológica a inferioridade – pois elas são, sensíveis, emotivas, destinada a cuidar dos outros e a reproduzir, devendo, então, permanecerem em um espaço familiar.

As correntes de pensamento que tiveram grande influência nas representações e atitudes em relação as mulheres da cultura ocidental foram: as tradições culturais hebraicas e cristas, a filosofia grega e o direito ocidental.

Nota-se que todas as correntes citadas tem em comum um modelo patriarcal como algo natural, baseado na superioridade masculina, uma visão dicotômica em relação ao masculino e feminino em desfavor às mulheres, e ainda o comportamento violento contra a mulher como uma expressão natural do domínio masculino.

Ainda ressaltando os aspectos históricos, a dicotomia de gênero tornou-se mais evidente com a 2ª Guerra Mundial, período em que os homens, tidos como fortes e viris, eram convocados a guerrear, enquanto as mulheres permaneciam no ambiente privado, zelando pela família.
Também a situação politica criada pelo comunismo e pela Guerra-Fria, como resultado, vieram a reforçar a importância da estrutura familiar centralizada no pai responsável pela família e sustento e a mãe pelos afazeres domésticos e filhos, o que dificultou ainda mais a libertação feminina do etiquetamento machista.

Com o passar dos tempos, os embates feministas passaram a tomar conta do cenário internacional,  por volta do século XIX, inicio do século XX, principalmente no lado ocidental. Movimentos estes que acabaram por chamar atenção no cenário internacional, repercutindo nos Direitos Humanos, e levando ao quadro que hoje nos deparamos.

Atualmente o que se busca no cenário internacional é o reconhecimento dos princípios da igualdade e da não-discriminação, sem esquecer, por obvio, da dignidade da pessoa humana, como  centro e base no que tange à proteção aos direitos humanos, buscando quebrar com a invisibilidade das mulheres no plano internacional, quebrando com a visão banal da subordinação feminina, e ainda buscando romper com a dicotomia público privada.


Órbita Internacional de Proteção – Principais Instrumentos:

Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra As Mulheres
à link para ler a Convenção na íntegra http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/mulher/lex121.htm

Tal convenção foi assinada em 18 de dezembro de 1979, e teve sua ratificação e adesão pela resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A base desta convenção é pautada nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana, bem como na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e dentre seus objetivos, esta a promoção da igualdade, reconhecendo que, mesmo com os instrumentos de proteção existentes, as mulheres ainda continuam sendo alvo de grandes discriminações.

Importa lembrar que a convenção reconhece, em suas considerações preliminares que  a discriminação contra as mulheres viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana.

Inclusive atentando pelo fato de que dificultar a participação das mulheres em condições de igualdade com os homens na vida política, social, cultural, econômica do país pode ensejar, além das violações já explicitadas, obstáculos ao crescimento do bem-estar, na sociedade e família, impedindo essas mulheres de servirem o seu pais e a humanidade.


Pacto de San José da Costa Rica (22 de novembro de 1969)
Instrumento internacional, adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, que ingressou no ordenamento pátrio por meio do Decreto 678 de 06 de novembro de 1992.

Possui seus princípios consagrados da Carta da Organização dos Estados Americanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem com na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Fundado no respeito dos direitos essenciais do homem, ressaltando a proteção a que tem direito a proteção pelo fato de ser pessoa humana, consagrando proteção interna, bem como internacional dos Estados americanos, prevê expressamente a proteção a integridade pessoal, com a seguinte redação:

“Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1.     Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”

Proteção Internacional – União Africana
Adotada em 1981, e em vigor na ordem jurídica internacional desde 1986, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, em seus artigos 2º e 3 preveem o princípio da não discriminação e da igualdade.
Importante lembrar que há um protocolo sobre o direito das Mulheres na África, também chamado de Protocolo de Maputo (11 de Julho de 2003), e em vigor desde 25 de novembro de 2005.


O Brasil e as Mulheres

É de extrema importância e conveniência no presente momento, histórico, e ao meu ver paradigmático para os direitos humanos no tocante às mulheres, o recente julgamento do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade sobre Lei Maria da Penha que será ao final deste texto noticiado, com as devidas considerações.

Antes, é de grande interesse ressaltar os aspectos evolutivos dos direitos femininos, com os instrumentos de proteção, de forma evolutiva.

A Convenção de Belém do Pará 

Esta Convenção entrou em vigor aos 3 de março de 1995, por meio do Decreto Legislativo 107, de 31 de agosto de 1995, e ratificada em 27 de novembro do mesmo ano, tendo sido finalmente promulgada em 1996, no dia 1º de agosto por meio do decreto 1973.

Foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos a elucidar a violência contra a mulher, e trata-la como um problema recorrente em todos os níveis sociais. É de enorme importância ressaltar que esta Convenção, em suas considerações iniciais, ressalta a preocupação com a ofensa a dignidade humana feminina, que tem raízes históricas de desigualdade entre homens e mulheres, que derivam de manifestações de poder do homem sobre a mulher.

Outra previsão de grande valia, trata da atuação estatal ativa, prevista no artigo 7º, em que os Estados-partes concordam em adotar, por todos os meios apropriados “e sem demora, políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência (...)”, enunciando, em seguida, quais as medidas positivas, dentre elas: atuar com diligência, prevenindo, investigando e punindo as formas de violência; incluir na legislação interna medidas protetivas, no âmbito judicial e administrativo, tomar medidas apropriadas, estabelecer mecanismos de proteção.

Código Penal: parágrafos 9º, 10º e 11º no art. 129 do Código Penal - alterações de 2004.
Em resposta a Convenção, alterações ocorreram alterações no Código Penal em 2004, introduzindo no artigo 129, os seguintes parágrafos:

Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência

Todavia, tais alterações foram insuficientes, de forma que a violência domestica e familiar passou a avolumar enormemente os Juizados Especiais, transformando-se em infrações bagatelares.


L. 11430/2006 – Lei Maria da Penha

Este trecho é uma analise do panorama atual, com base na recente decisão, e nas discussões que antecederam, bem como na ADI 4424 (que pode ser lida pelo seguinte link:  http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/temas-de-atuacao/mulher/combate-violencia/atuacao-do-mpf/ADI-4424-leimariadapenha_PGR.pdf ).

Acerca da lei, e com muita perfeição Flávia Piovesan preleciona que “o grau de ineficácia da referida lei revelava o paradoxo de o Estado romper com a clássica dicotomia público-privado, de forma a dar visibilidade a violações que ocorrem no domínio privado, sob o manto da banalização em que o agressor é condenado a pagar à vítima uma cesta básica ou meio fogão, ou meia geladeira... Os casos de violência doméstica ora vistos como mera ‘querela doméstica’, ora como mero reflexo de ‘ato de vingança ou implicância da vítima’, ora como decorrentes da culpabilidade da própria vítima, no perverso jogo de que a mulher teria merecido, por seu comportamento, a resposta violenta.” (PIOVESAN, Flávia. Litigância Internacional e avanços locais: violência contra a mulher e a Lei “Maria da Penha”. IN Temas de Direitos Humanos. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 233.).

Sendo assim, consagrando a evolução protetiva, em 2006 a Lei 11340/2006, Maria da Penha, trouxe considerável maior proteção para mulher, mas por anos foi alvo de controvérsias procedimentais acerca da condição de procedibilidade da ação penal, bem como ao cabimento dos institutos descriminalizadores da L. 9099/95.

O recente reconhecimento da constitucionalidade da L. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4424, em que ficou reconhecida a possibilidade de o Ministério Público dar início a Ação Penal sem a necessidade de representação da vítima, bem como afastou a competência dos Juizados Especiais de julgar os crimes cometidos no âmbito da lei.

Sendo assim, é de grande relevância a proteção e a consagração da dignidade da pessoa humana com o entendimento adotado, bem como o reconhecimento da necessidade de proteção daqueles que estão mais vulneráveis a agressões, e após sofrê-las, merece atenção especial dos poderes públicos para que tenham sua integridade física e psíquica protegidas.

Conforme se pode extrair das notícias do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte link
(notícia do dia 09 de fevereiro de 2012)

A Corte acompanhou em sua maioria, o voto do ministro Marco Aurélio (relator), entendendo pela possibilidade do Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima (ação penal pública incondicionada).
O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância esvazia a proteção constitucional assegurada que é às mulheres. No caso, ficou também  esclarecido que não compete aos Juizados Especiais (L. 9099/95) julgar os crimes cometidos no âmbito de proteção da Lei Maria da Penha.

Com o objetivo STF declarasse a constitucionalidade da L. Maria Penha, em interpretação conforme ao artigo 41, ficou decidido que: “Crimes que envolvam violência doméstica ou familiar contra a mulher não são atingidos pela Lei 9099, por força do artigo 41 da Lei Maria da Penha. Nesses crimes não cabe nem a suspensão condicional do processo.”

Ou seja, o julgamento pelo Supremo afasta a aplicação da 9099/95 aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Esclarecimentos sobre a Lei 9099/95:

A Lei 9099/95 possui quatro medidas despenalizadoras:
1.     composição civil extintiva da punibilidade (artigo 74);
2.    transação penal (espécie de acordo entre Ministério Publico e autor do fato);
3.    representação da vitima nos crimes de lesão dolosa leve e culposa (artigo 88), convém lembra que antes da L. 9099/95, a lesão dolosa leve e culposa era publica incondicionada a ação, todavia passou ter como condição de procedibilidade a representação da vitima;
4.    Suspensão condicional do processo.
           
           
Quando da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, o referido artigo 41 ensejou grandes discussões no seguinte sentido:

A posição inicial  dominante na jurisprudência era a de que os artigos 88 e 89 da L. 9099/95 se aplicaram a L. Maria da Penha (11.340/2009).

Mas a posição alterou-se, desde 2010 no STJ, posição que perdura até hoje, bem no Supremo, com o julgamento de fevereiro de 2012,  os artigos acima citados não se aplicam a Lei Maria da Penha.

Dessa forma, em caso de violência doméstica não cabe o instituto da suspensão condicional do processo, e a ação penal é publica incondicionada.

A novidade com o julgamento dá-se pelo fato de a decisão ter sido dada em controle concentrado, portanto com efeito erga omnes no sentido da constitucionalidade da Lei Maria da Penha.


Conclusão
Estas são algumas breves, mas importantes considerações a serem feitas, acerca dos direitos fundamentais, direitos humanos, bem como sobre a importância da atuação Estatal para a garantia do completo exercício de cada uma dessas prerrogativas fundamentais.

A base histórica das agressões contra as mulheres, devido ao fato de a sociedade ter se construído sob bases machistas, hoje mais enfraquecidas nos países de cultura ocidental, devido a grandes lutas, efetiva atuação dos instrumentos internacionais, e não, sem antes, deixar ao longo da historia, um passado sujo de violações e agressões.

Vale a pena ressaltar que a dignidade da pessoa e seu valor interno e internacional, cláusula pétrea que é, deve ser preservado. E não proteger, por meio de instrumentos, institutos e medidas cabíveis, seria agredir fortemente valores intocáveis.