quinta-feira, 1 de março de 2012

Direito Das Mulheres: “Frágeis Fortes Mulheres”


Direito Das Mulheres: “Frágeis Fortes Mulheres”

Este post será dedicado aos direitos das mulheres, tema de máxima importância e conveniência  a ser tratado e disseminado, com o intuito de que as pessoas tomem conhecimento de suas particularidades.
Assunto que é alvo de repercussão internacional, bem como na órbita interna, e recentemente ocupou as pautas do nosso Supremo Tribunal Federal com o histórico e importantíssimo julgamento acerca da constitucionalidade da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
 

Introdução ao Tema das Mulheres
Os conceitos introdutórios consistem em notas extraídas dos slides  da 13ª Pós Graduação em Direitos Humanos que cursei em 2011 no Instituto Ius Gentium Conimbrigae, na Universidade de Coimbra, Portugal, na brilhante aula ministrada pela Professora Teresa Anjinho, da Universidade Nova de Lisboa.

Importante ressaltar que os princípios da igualdade e da não discriminação são fundamentais, e estão intrínsecos ao conceito de direitos humanos.
As discriminações podem estar relacionadas a características imaginárias (preconceitos, estereótipos e falsas representações) ou reais.

Sendo assim, toda luta  feminista passa pelo questionamento da imagem da mulher, que foi construída por uma cultura machista e patriarcal, que se associa a uma ideia de determinação biológica a inferioridade – pois elas são, sensíveis, emotivas, destinada a cuidar dos outros e a reproduzir, devendo, então, permanecerem em um espaço familiar.

As correntes de pensamento que tiveram grande influência nas representações e atitudes em relação as mulheres da cultura ocidental foram: as tradições culturais hebraicas e cristas, a filosofia grega e o direito ocidental.

Nota-se que todas as correntes citadas tem em comum um modelo patriarcal como algo natural, baseado na superioridade masculina, uma visão dicotômica em relação ao masculino e feminino em desfavor às mulheres, e ainda o comportamento violento contra a mulher como uma expressão natural do domínio masculino.

Ainda ressaltando os aspectos históricos, a dicotomia de gênero tornou-se mais evidente com a 2ª Guerra Mundial, período em que os homens, tidos como fortes e viris, eram convocados a guerrear, enquanto as mulheres permaneciam no ambiente privado, zelando pela família.
Também a situação politica criada pelo comunismo e pela Guerra-Fria, como resultado, vieram a reforçar a importância da estrutura familiar centralizada no pai responsável pela família e sustento e a mãe pelos afazeres domésticos e filhos, o que dificultou ainda mais a libertação feminina do etiquetamento machista.

Com o passar dos tempos, os embates feministas passaram a tomar conta do cenário internacional,  por volta do século XIX, inicio do século XX, principalmente no lado ocidental. Movimentos estes que acabaram por chamar atenção no cenário internacional, repercutindo nos Direitos Humanos, e levando ao quadro que hoje nos deparamos.

Atualmente o que se busca no cenário internacional é o reconhecimento dos princípios da igualdade e da não-discriminação, sem esquecer, por obvio, da dignidade da pessoa humana, como  centro e base no que tange à proteção aos direitos humanos, buscando quebrar com a invisibilidade das mulheres no plano internacional, quebrando com a visão banal da subordinação feminina, e ainda buscando romper com a dicotomia público privada.


Órbita Internacional de Proteção – Principais Instrumentos:

Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra As Mulheres
à link para ler a Convenção na íntegra http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/mulher/lex121.htm

Tal convenção foi assinada em 18 de dezembro de 1979, e teve sua ratificação e adesão pela resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A base desta convenção é pautada nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana, bem como na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e dentre seus objetivos, esta a promoção da igualdade, reconhecendo que, mesmo com os instrumentos de proteção existentes, as mulheres ainda continuam sendo alvo de grandes discriminações.

Importa lembrar que a convenção reconhece, em suas considerações preliminares que  a discriminação contra as mulheres viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana.

Inclusive atentando pelo fato de que dificultar a participação das mulheres em condições de igualdade com os homens na vida política, social, cultural, econômica do país pode ensejar, além das violações já explicitadas, obstáculos ao crescimento do bem-estar, na sociedade e família, impedindo essas mulheres de servirem o seu pais e a humanidade.


Pacto de San José da Costa Rica (22 de novembro de 1969)
Instrumento internacional, adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, que ingressou no ordenamento pátrio por meio do Decreto 678 de 06 de novembro de 1992.

Possui seus princípios consagrados da Carta da Organização dos Estados Americanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem com na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Fundado no respeito dos direitos essenciais do homem, ressaltando a proteção a que tem direito a proteção pelo fato de ser pessoa humana, consagrando proteção interna, bem como internacional dos Estados americanos, prevê expressamente a proteção a integridade pessoal, com a seguinte redação:

“Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1.     Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”

Proteção Internacional – União Africana
Adotada em 1981, e em vigor na ordem jurídica internacional desde 1986, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, em seus artigos 2º e 3 preveem o princípio da não discriminação e da igualdade.
Importante lembrar que há um protocolo sobre o direito das Mulheres na África, também chamado de Protocolo de Maputo (11 de Julho de 2003), e em vigor desde 25 de novembro de 2005.


O Brasil e as Mulheres

É de extrema importância e conveniência no presente momento, histórico, e ao meu ver paradigmático para os direitos humanos no tocante às mulheres, o recente julgamento do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade sobre Lei Maria da Penha que será ao final deste texto noticiado, com as devidas considerações.

Antes, é de grande interesse ressaltar os aspectos evolutivos dos direitos femininos, com os instrumentos de proteção, de forma evolutiva.

A Convenção de Belém do Pará 

Esta Convenção entrou em vigor aos 3 de março de 1995, por meio do Decreto Legislativo 107, de 31 de agosto de 1995, e ratificada em 27 de novembro do mesmo ano, tendo sido finalmente promulgada em 1996, no dia 1º de agosto por meio do decreto 1973.

Foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos a elucidar a violência contra a mulher, e trata-la como um problema recorrente em todos os níveis sociais. É de enorme importância ressaltar que esta Convenção, em suas considerações iniciais, ressalta a preocupação com a ofensa a dignidade humana feminina, que tem raízes históricas de desigualdade entre homens e mulheres, que derivam de manifestações de poder do homem sobre a mulher.

Outra previsão de grande valia, trata da atuação estatal ativa, prevista no artigo 7º, em que os Estados-partes concordam em adotar, por todos os meios apropriados “e sem demora, políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência (...)”, enunciando, em seguida, quais as medidas positivas, dentre elas: atuar com diligência, prevenindo, investigando e punindo as formas de violência; incluir na legislação interna medidas protetivas, no âmbito judicial e administrativo, tomar medidas apropriadas, estabelecer mecanismos de proteção.

Código Penal: parágrafos 9º, 10º e 11º no art. 129 do Código Penal - alterações de 2004.
Em resposta a Convenção, alterações ocorreram alterações no Código Penal em 2004, introduzindo no artigo 129, os seguintes parágrafos:

Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência

Todavia, tais alterações foram insuficientes, de forma que a violência domestica e familiar passou a avolumar enormemente os Juizados Especiais, transformando-se em infrações bagatelares.


L. 11430/2006 – Lei Maria da Penha

Este trecho é uma analise do panorama atual, com base na recente decisão, e nas discussões que antecederam, bem como na ADI 4424 (que pode ser lida pelo seguinte link:  http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/temas-de-atuacao/mulher/combate-violencia/atuacao-do-mpf/ADI-4424-leimariadapenha_PGR.pdf ).

Acerca da lei, e com muita perfeição Flávia Piovesan preleciona que “o grau de ineficácia da referida lei revelava o paradoxo de o Estado romper com a clássica dicotomia público-privado, de forma a dar visibilidade a violações que ocorrem no domínio privado, sob o manto da banalização em que o agressor é condenado a pagar à vítima uma cesta básica ou meio fogão, ou meia geladeira... Os casos de violência doméstica ora vistos como mera ‘querela doméstica’, ora como mero reflexo de ‘ato de vingança ou implicância da vítima’, ora como decorrentes da culpabilidade da própria vítima, no perverso jogo de que a mulher teria merecido, por seu comportamento, a resposta violenta.” (PIOVESAN, Flávia. Litigância Internacional e avanços locais: violência contra a mulher e a Lei “Maria da Penha”. IN Temas de Direitos Humanos. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 233.).

Sendo assim, consagrando a evolução protetiva, em 2006 a Lei 11340/2006, Maria da Penha, trouxe considerável maior proteção para mulher, mas por anos foi alvo de controvérsias procedimentais acerca da condição de procedibilidade da ação penal, bem como ao cabimento dos institutos descriminalizadores da L. 9099/95.

O recente reconhecimento da constitucionalidade da L. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4424, em que ficou reconhecida a possibilidade de o Ministério Público dar início a Ação Penal sem a necessidade de representação da vítima, bem como afastou a competência dos Juizados Especiais de julgar os crimes cometidos no âmbito da lei.

Sendo assim, é de grande relevância a proteção e a consagração da dignidade da pessoa humana com o entendimento adotado, bem como o reconhecimento da necessidade de proteção daqueles que estão mais vulneráveis a agressões, e após sofrê-las, merece atenção especial dos poderes públicos para que tenham sua integridade física e psíquica protegidas.

Conforme se pode extrair das notícias do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte link
(notícia do dia 09 de fevereiro de 2012)

A Corte acompanhou em sua maioria, o voto do ministro Marco Aurélio (relator), entendendo pela possibilidade do Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima (ação penal pública incondicionada).
O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância esvazia a proteção constitucional assegurada que é às mulheres. No caso, ficou também  esclarecido que não compete aos Juizados Especiais (L. 9099/95) julgar os crimes cometidos no âmbito de proteção da Lei Maria da Penha.

Com o objetivo STF declarasse a constitucionalidade da L. Maria Penha, em interpretação conforme ao artigo 41, ficou decidido que: “Crimes que envolvam violência doméstica ou familiar contra a mulher não são atingidos pela Lei 9099, por força do artigo 41 da Lei Maria da Penha. Nesses crimes não cabe nem a suspensão condicional do processo.”

Ou seja, o julgamento pelo Supremo afasta a aplicação da 9099/95 aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Esclarecimentos sobre a Lei 9099/95:

A Lei 9099/95 possui quatro medidas despenalizadoras:
1.     composição civil extintiva da punibilidade (artigo 74);
2.    transação penal (espécie de acordo entre Ministério Publico e autor do fato);
3.    representação da vitima nos crimes de lesão dolosa leve e culposa (artigo 88), convém lembra que antes da L. 9099/95, a lesão dolosa leve e culposa era publica incondicionada a ação, todavia passou ter como condição de procedibilidade a representação da vitima;
4.    Suspensão condicional do processo.
           
           
Quando da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, o referido artigo 41 ensejou grandes discussões no seguinte sentido:

A posição inicial  dominante na jurisprudência era a de que os artigos 88 e 89 da L. 9099/95 se aplicaram a L. Maria da Penha (11.340/2009).

Mas a posição alterou-se, desde 2010 no STJ, posição que perdura até hoje, bem no Supremo, com o julgamento de fevereiro de 2012,  os artigos acima citados não se aplicam a Lei Maria da Penha.

Dessa forma, em caso de violência doméstica não cabe o instituto da suspensão condicional do processo, e a ação penal é publica incondicionada.

A novidade com o julgamento dá-se pelo fato de a decisão ter sido dada em controle concentrado, portanto com efeito erga omnes no sentido da constitucionalidade da Lei Maria da Penha.


Conclusão
Estas são algumas breves, mas importantes considerações a serem feitas, acerca dos direitos fundamentais, direitos humanos, bem como sobre a importância da atuação Estatal para a garantia do completo exercício de cada uma dessas prerrogativas fundamentais.

A base histórica das agressões contra as mulheres, devido ao fato de a sociedade ter se construído sob bases machistas, hoje mais enfraquecidas nos países de cultura ocidental, devido a grandes lutas, efetiva atuação dos instrumentos internacionais, e não, sem antes, deixar ao longo da historia, um passado sujo de violações e agressões.

Vale a pena ressaltar que a dignidade da pessoa e seu valor interno e internacional, cláusula pétrea que é, deve ser preservado. E não proteger, por meio de instrumentos, institutos e medidas cabíveis, seria agredir fortemente valores intocáveis.